domingo, 22 de novembro de 2009

EM CANTOS



Se um dia me vir em um canto da casa sem móvel, quadro ou retrato, não se espante. Não estou louco, tampouco triste. Pelos cantos, em geral, andam os aflitos, deprimidos, apaixonados, encabulados, bêbados. Eu apenas fujo da mesmice, habitando aquele lugar vazio, simples e que é lembrado de forma rápida no momento da faxina semanal. Ali a visão é sempre nova e acolhedora. Aliás, quem nunca se flagrou em alguma das situações mencionadas, e encontrou abrigo seguro em um negligenciado lado do cômodo?

Os espaços desprezados da casa guardam segredos impressionantes não só de ambientes que pensamos conhecer muito bem, mas de nós mesmos (de quem, definitivamente, sabemos bem pouco por redescobrirmos a cada dia).

Olhe ao seu redor, procure aquele lugar alijado do planejamento decorativo - geralmente ocupado por caixas e sacolas tão inúteis quanto seus conteúdos - e habite-o. Leve consigo livros, discos, papel, caneta, violão, todos os seus vícios e virtudes e comprove a típica força inspiradora daqueles que observam sem serem notados.

Os ângulos esquecidos de lares bem arquitetados não aparecem nos álbuns de retratos de família. Resta-lhes a triste visão dos traseiros de fotógrafos de plantão; despercebidos assaltantes de suas privilegiadas posições.

Embora não convidados para os eventos sociais e, quando inevitáveis, muitas vezes, escondidos por cortinas ou supersticiosos vasos ornamentais, os espaços marginalizados estão sempre dispostos a mostrar um novo aspecto do cotidiano e toda experiência acumulada em empoeirados anos de desprezo.

O “mundo” tem a forma e dimensão de nossa imaginação. Lembra desta antiga comparação? Primeiro o Quarto, depois a Casa, Quarteirão, Cidade... e o nosso mundinho vai dilatando. Freqüentar cantos esquecidos é mais que um costume “inútil”. Criando uma analogia com minha “paranóica” mania por cantos, podemos analisar esses níveis espaciais de convivência humana, olhando de (e para) seus lados esquecidos. Se quiser mesmo conhecer a casa, visite o porão. As favelas e bairros periféricos explicam a Cidade.

Com a mais recente arritmia cardíaca deste paciente, em coma induzido, chamado MERCADO, os cantos dos Hemisférios Sul e Oriental do globo terrestre foram, convenientemente, lembrados. Até QUANTO?

Essas linhas foram escritas de um canto pouco provado e muito improvável.

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